quinta-feira, 31 de julho de 2014

Terra natal, noção de pertencimento e identidade

Caros leitores, há quanto tempo!

Já se passaram meses desde a minha última postagem. Peço desculpas. O intercâmbio está mais puxado do que eu imaginava, o que é ótimo. Sinto uma grande satisfação a cada dia que passa.

Esta semana acabam as aulas do primeiro semestre, então em breve, vou poder atualizar o blog, ou pelo menos assim espero.

Hoje gostaria de escrever um pouco sobre um assunto que me veio a mente por causa de uma matéria que vi no noticiário da manhã de hoje.

Essa matéria falava sobre uma cidade japonesa, situada na província de Fukushima,  chamada Ookuma. Como a maioria deve saber, Fukushima foi a província que sofreu com o problema da usina nuclear, devido ao terremoto de 2011. Bem, a notícia falava sobre o fato da cidade Ookuma ter sido evacuada e a preocupação dos pais com o fato de muitas crianças não conhecerem sua terra natal. A matéria mostrou que os habitantes de Ookuma realizaram um aula com o objetivo das crianças lembrarem  de sua terra natal (muitas não tem memória da cidade, pois erm muito pequenas quando moraram por lá) .

                                               
Fonte: http://ookumaoonosyou.blog.fc2.com/blog-entry-146.html

Quem já fez intercâmbio no Japão sabe a importância que eles dão para a palavra 出身, que eu vou traduzir como “procedência”. Aonde quer que você vá, eles perguntam de onde você veio. E sempre que se auto apresentam, os japoneses tem o costume de falarem de onde vieram.

Ao pensar nisso, eu  acho muito engraçado que nós brasileiros não damos tanta importância para a nossa procedência. Pelo menos no meu caso, o máximo que já aconteceu foi conversar com um brasileiro e comentar: “Ah, você não é de São Paulo, né? De onde você veio?”, mas nada muito mais profundo do que isso.

Quem já morou no Japão, já deve ter percebido que nos mercados geralmente a procedência de diversos produtos está sinalizada. Doces e produtos que usam ingredientes típicos da região também  estão sempre sinalizados, o que me faz sentir que os japoneses valorizam muito os produtos regionais.

    
 Lipton Ice Tea que usa um limão típico de Okinawa
        (Arquivo pessoal)

Apesar de ser um país com uma área pequena quando comparado com o Brasil, cada província do Japão possui suas peculiaridades e há também muitos dialetos. Sobre os dialetos (não incluo aqui a língua okinawana) , apesar de comumente usarem a língua japonesa padrão, eu sinto uma certa valorização e orgulho por parte dos japoneses com relação ao dialeto de sua região. Quando fiz intercâmbio em Osaka eu vi livros do tipo: 100 regras para você ser um verdadeiro “kansaijin”, livros de kansaiben (dialeto de Kansai) e por aí vai. No Brasil, será que veríamos um livro do mesmo tipo para um baiano, mineiro ou carioca?
Tudo bem, você deve estar se perguntando aonde quero chegar com tudo isso?

Para explicar isso, gostaria de falar sobre a minha primeira aula de folclore okinawano.  Na primeira aula o professor perguntou para a sala: “Quando perguntam sua procedência, o que você responde?”.


Então o professor fez uma lista:

1) O lugar onde você nasceu
2) O lugar onde você foi criado
3) O lugar onde seus pais nasceram
4) O lugar onde você mora atualmente

Então o professor pediu para que os alunos sinalizassem o que eles entendiam como procedência. As duas primeiras alternativas foram as mais escolhidas. Eu escolhia a primeira alternativa, pois sou nascida e criada em São Paulo.

O professor então explicou que não há um consenso quanto a definição de “procedência” nesse caso. Mas ele disse uma coisa que eu não me esqueço: “Quando você fala a sua procedência, essa é uma forma de você transmitir a sua identidade”.

Isso me fez lembrar do meu pai. Nascido em Lucélia, interior de São Paulo, mudou-se posteriormente para Dourados, no Mato Grosso e veio para São Paulo jovem, quando conheceu minha mãe. O apelido do meu pai é “Matão”, o que remete ao Mato Grosso do Sul. Não sei se todos sabem, mas no Mato Grosso do Sul (mais precisamente em Campo Grande) há muitos descendentes de okinawanos.  Então, quando eu era criança, eu sempre acreditei que meu pai tivesse nascido em Mato Grosso do Sual, mas só depois eu descobri que ele havia se mudado para lá ainda criança.

De modo análogo, vejo muitos descendentes de japonês que se auto denominam “japoneses”, sendo que muitas vezes não sabem uma única palavra em japonês e nem ao menos tem interesse em visitar a terra de seus antepassados. “Como pode uma pessoa se afirmar como japonesa sendo que nasceu no Brasil?” foi algo que se passou na minha cabeça por diversas vezes.

Não chega a ser uma conclusão mas, no Brasil, um país que abriga uma mistura racial de descendentes das mais variadas nacionalidades, há a necessidade de afirmar a sua identidade regional tão forte como a que há no Japão? Apesar disso, observa-se também uma perseguição a certos grupos étnicos/regionais, que me fazem pensar que infelizmente, apesar da diversidade tão característica do Brasil, ele é um país muito preconceituoso. Por exemplo, quantos muitas vezes negam sua origem, muitas vezes fazendo recorrendo a fonoaudiólogos para mudar a própria pronúncia? 

Operários - Tarsila do Amaral 
(Acervo do Governo do Estado de São Paulo)

Evidentemente, não estou afirmando que a  identidade regional é nula no Brasil. Já que muito da peculiaridade regional é transmitida nas artes e na culinária. 

Entretanto uma discussão que gostaria de ter é até que ponto a sua procedência influência no modo como você se afirma no seu cotidiano. Quanto da sua identidade está contida apenas no fato de você afirmar que você veio de uma determinada região. É uma questão profunda, da qual só me dei conta fora da minha terra natal.

Se me perguntarem a minha terra natal aqui, com certeza afirmarei: Brasil. Se perguntarem minha identidade, responderei: sou uchinanchu brasileira. Essa é uma conclusão que cheguei apenas depois de ter saído do Brasil.




E você, caro leitor? Qual a sua terra natal? 

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