Caros leitores,
há quanto tempo!
Já se passaram
meses desde a minha última postagem. Peço desculpas. O intercâmbio está mais
puxado do que eu imaginava, o que é ótimo. Sinto uma grande satisfação a cada
dia que passa.
Esta semana
acabam as aulas do primeiro semestre, então em breve, vou poder atualizar o
blog, ou pelo menos assim espero.
Hoje gostaria de escrever
um pouco sobre um assunto que me veio a mente por causa de uma matéria que vi no
noticiário da manhã de hoje.
Essa matéria
falava sobre uma cidade japonesa, situada na província de Fukushima, chamada Ookuma. Como a maioria deve saber,
Fukushima foi a província que sofreu com o problema da usina nuclear, devido ao
terremoto de 2011. Bem, a notícia falava sobre o fato da cidade Ookuma ter sido
evacuada e a preocupação dos pais com o fato de muitas crianças não conhecerem
sua terra natal. A matéria mostrou que os habitantes de Ookuma realizaram um
aula com o objetivo das crianças lembrarem
de sua terra natal (muitas não tem memória da cidade, pois erm muito
pequenas quando moraram por lá) .
Fonte: http://ookumaoonosyou.blog.fc2.com/blog-entry-146.html
Quem já fez
intercâmbio no Japão sabe a importância que eles dão para a palavra 出身, que eu vou traduzir como “procedência”. Aonde quer que você vá, eles
perguntam de onde você veio. E sempre que se auto apresentam, os japoneses tem
o costume de falarem de onde vieram.
Ao pensar nisso,
eu acho muito engraçado que nós
brasileiros não damos tanta importância para a nossa procedência. Pelo menos no
meu caso, o máximo que já aconteceu foi conversar com um brasileiro e comentar:
“Ah, você não é de São Paulo, né? De onde você veio?”, mas nada muito mais
profundo do que isso.
Quem já morou no
Japão, já deve ter percebido que nos mercados geralmente a procedência de
diversos produtos está sinalizada. Doces e produtos que usam
ingredientes típicos da região também estão sempre sinalizados, o que me faz sentir
que os japoneses valorizam muito os produtos regionais.
Lipton Ice Tea que usa um limão típico de Okinawa
(Arquivo pessoal)
Apesar de ser um
país com uma área pequena quando comparado com o Brasil, cada província do Japão
possui suas peculiaridades e há também muitos dialetos. Sobre os dialetos (não
incluo aqui a língua okinawana) , apesar de comumente usarem a língua japonesa
padrão, eu sinto uma certa valorização e orgulho por parte dos japoneses com
relação ao dialeto de sua região. Quando fiz intercâmbio em Osaka eu vi livros
do tipo: 100 regras para você ser um verdadeiro “kansaijin”, livros de
kansaiben (dialeto de Kansai) e por aí vai. No Brasil, será que veríamos um
livro do mesmo tipo para um baiano, mineiro ou carioca?
Tudo bem, você
deve estar se perguntando aonde quero chegar com tudo isso?
Para explicar
isso, gostaria de falar sobre a minha primeira aula de folclore okinawano. Na primeira aula o professor perguntou para a
sala: “Quando perguntam sua procedência, o que você responde?”.
Então o professor
fez uma lista:
1) O lugar onde
você nasceu
2) O lugar onde
você foi criado
3) O lugar onde
seus pais nasceram
4) O lugar onde
você mora atualmente
Então o professor
pediu para que os alunos sinalizassem o que eles entendiam como procedência. As
duas primeiras alternativas foram as mais escolhidas. Eu escolhia a primeira
alternativa, pois sou nascida e criada em São Paulo.
O professor então
explicou que não há um consenso quanto a definição de “procedência” nesse caso.
Mas ele disse uma coisa que eu não me esqueço: “Quando você fala a sua
procedência, essa é uma forma de você transmitir a sua identidade”.
Isso me fez
lembrar do meu pai. Nascido em Lucélia, interior de São Paulo, mudou-se
posteriormente para Dourados, no Mato Grosso e veio para São Paulo jovem,
quando conheceu minha mãe. O apelido do meu pai é “Matão”, o que remete ao Mato
Grosso do Sul. Não sei se todos sabem, mas no Mato Grosso do Sul (mais
precisamente em Campo Grande) há muitos descendentes de okinawanos. Então, quando eu era criança, eu sempre
acreditei que meu pai tivesse nascido em Mato Grosso do Sual, mas só depois eu
descobri que ele havia se mudado para lá ainda criança.
De modo análogo,
vejo muitos descendentes de japonês que se auto denominam “japoneses”, sendo
que muitas vezes não sabem uma única palavra em japonês e nem ao menos tem
interesse em visitar a terra de seus antepassados. “Como pode uma pessoa se
afirmar como japonesa sendo que nasceu no Brasil?” foi algo que se passou na
minha cabeça por diversas vezes.
Não chega a ser
uma conclusão mas, no Brasil, um país que abriga uma mistura racial de descendentes
das mais variadas nacionalidades, há a necessidade de afirmar a sua identidade
regional tão forte como a que há no Japão? Apesar disso, observa-se também uma perseguição a certos grupos étnicos/regionais, que me fazem pensar que infelizmente, apesar da diversidade tão característica do Brasil, ele é um país muito preconceituoso. Por exemplo, quantos muitas vezes negam sua origem, muitas vezes fazendo recorrendo a fonoaudiólogos para mudar a própria pronúncia?
Operários - Tarsila do Amaral
(Acervo do Governo do Estado de São Paulo)
Evidentemente,
não estou afirmando que a identidade
regional é nula no Brasil. Já que muito da peculiaridade regional é transmitida
nas artes e na culinária.
Entretanto uma discussão que gostaria de ter é até
que ponto a sua procedência influência no modo como você se afirma no seu
cotidiano. Quanto da sua identidade está contida apenas no fato de você afirmar
que você veio de uma determinada região. É uma questão profunda, da qual só me
dei conta fora da minha terra natal.
Se me perguntarem
a minha terra natal aqui, com certeza afirmarei: Brasil. Se perguntarem minha
identidade, responderei: sou uchinanchu brasileira. Essa é uma conclusão que
cheguei apenas depois de ter saído do Brasil.
E você, caro
leitor? Qual a sua terra natal?
Bolivia!!! (≧∇≦)
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